Opinião

Quem são os marcianos?

Por: Cristina Vergnano

Acabo de reparar: minha última postagem nesta seção tratava de uma resenha de livro e, coincidentemente, do mesmo autor sobre o qual volto a comentar. Apenas um acaso!

Com o passar dos tempos, aprendi a ler várias obras, com temáticas e gêneros distintos, de forma simultânea. Pode parecer estranho e contraproducente, porém não o é. Requer certo foco, sem dúvida, mas pode ser gratificante. De vez em quando, me sinto motivada a produzir uma crítica sobre uma das leituras concluídas e compartilhá-la com vocês. Este é o caso, agora. Espero que curtam.

O livro em questão, que finalizei no último 2 de julho, é Os marcianos, de Luiz Antonio Aguiar. Publicado em 2021, na Série Vagalume da Editora Ática, seu texto tem 194 páginas com vinte e nove capítulos divididos em quatro partes: “A Colônia”, “No Monte Olimpo”, “A caverna” e “Zuopt!”. Conforme o título nos leva a antecipar, trata-se de uma história de ficção científica e, ao pertencer a essa coleção específica, se insere no âmbito da literatura juvenil.

Antes de qualquer julgamento a respeito, esclareço que, desde muito jovem, tenho sido apaixonada pelas temáticas de ficção científica, fantasia e aventura. A literatura infanto-juvenil faz, da mesma forma, parte do meu repertório leitor. Em segundo lugar, chamo atenção para todo um elenco de clássicos consagrados, os quais testemunham a excelência e relevância do gênero sci-fi, como: a Trilogia Fundação, ou Eu, robô, de Isaac Asimov; Viagem ao Centro da Terra, 20.000 Léguas submarinas,ou Da Terra à Lua, de Júlio Verne; O planeta dos Macacos, de Pierre Boulle; 1984, de George Orwell; Fahrenheit 451, ou Crônicas Marcianas, de Ray Bradburry; Admirável mundo novo, de Aldous Huxley, para citar apenas alguns. Entre os brasileiros que se aventuraram por esses caminhos, cito Machado de Assis, com seu “O imortal”. Por mais inusitado que possa parecer, o Bruxo do Cosme Velho, um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras, escreveu um conto abordando um dos temas recorrentes na ficção científica: a imortalidade.

Se não bastasse a lista de nomes ilustres, considero a complexidade nas construções de mundos, personagens e tramas como aval do reconhecimento literário dessas obras. Digo isso porque, para além da natural vinculação a saberes científicos e da conexão com a cultura POP, uma característica marcante em tais textos é seu aspecto crítico reflexivo. Em muitos casos, os romances nos mergulham em realidades distópicas, abordando problemas bastante presentes em nosso cotidiano, travestidos em contextos alternativos e futurísticos. Considerando todos os acelerados avanços tecnológicos da humanidade a partir de meados do século XX, para ser verossímeis, as histórias que seguem por essa via temática precisam ter apoio sólido na ciência real. No entanto, tendem a nos oferecer mais: uma visão de quem somos, de como nos relacionamos entre nós e com nosso entorno.

Coloco Os marcianos nesse contexto, bebendo em fontes como as Crônicas Marcianas de Bradbury, explorando tanto as possibilidades oferecidas pela ciência para a criação de cenários e tramas, quanto o repensar as escolhas de hoje, em nosso próprio planeta. Durante sua leitura, podemos, ademais, perceber uma série de conexões com a história e a mitologia, campos de interesse do autor. Também se destacam os jogos linguísticos presentes nas falas dos personagens, peculiaridades e mudanças que se esperariam encontrar na comunicação de pessoas num futuro avançado e num território longínquo. Isso contribui com ainda maior verossimilhança à narrativa.

Como não quero dar spoilers nem roubar parte do prazer de quem se aventura na exploração do livro, farei apenas alguns comentários bem gerais sobre seu conteúdo. O resto, fica por conta de cada um de vocês.

A história está ambientada no século XXII, mas seus eventos-gatilhos, como decidi chamá-los, remontam à segunda metade do século XXI. Leva-nos à realidade de humanos colonos no Planeta Vermelho, sua vida e estrutura político-social, deixando-nos captar certa tensão entre grupos antagônicos. O protagonista, como seria de se supor, é um jovem de 15 anos, que vive uma aventura com dois amigos, motivada por um mistério pessoal, ao estilo “jornada do herói”.

Um clima enigmático move a ação e encerra não apenas um, mas alguns segredos, prendendo o leitor desde o princípio. Entender quem são, de fato, aqueles que podemos nomear como marcianos nesse contexto é, para mim, parte da questão, embora a pergunta não tenha sido proposta explicitamente pelo autor. Cabe a cada pessoa, ao ler, decifrar a charada junto com os personagens, tirando suas próprias conclusões. Vocês me dirão se não há, inclusive, um sabor de quero mais em toda essa trama.

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