Digicrônicas

Feliz dia… professora!

Por: Cristina Vergnano

Uma sequência de alertas sonoros do celular arrancou-a do delicioso sonho no qual estava imersa. Olhou bastante desagradada para o aparelho, tentando reter, ainda por um tempo, a sensação de frescor na pele, o ruído das folhas balançando sob a brisa, o cheiro de terra molhada e as imagens fugidias dos raios de sol brincando entre os ramos, perseguindo seus reflexos no chão do bosque. “Que droga!”, pensou. “Esqueci de desligar o celular ontem à noite.”

Com o canto do olhar, passou rapidamente pelo despertador… “Quem teria a infeliz ideia de mandar mensagens tão cedo???”

Na confusão sonolenta desse despertar, por um momento ficou pensando que dia seria. Viu um bilhetinho com um bombom deixados por seu marido sobre a mesinha de cabeceira, provavelmente antes de sair. “Feliz dia!” – dizia simplesmente. Pegou o telefone e descobriu, então, a data…

“Ah! 15 de outubro!!!! Está explicado. Dia do professor…”

A maioria das mensagens era da família. Afinal, ela pertencia a um “clã docente”, por assim dizer, tantos eram os professores e professoras que se haviam formado no seu seio.

“Bem… era feriado. Nada importante a fazer. Poderia dedicar-se a si mesma. A relaxar um pouco…”

Resolveu permanecer na cama por mais tempo. Espreguiçou-se de forma lânguida e, de repente, começou a escutar um samba antigo. “De onde viria?” Provavelmente, da senhora que morava no andar de cima. Ela tinha uma vitrola antiga e muitos discos bolachão. Como não escutava lá muito bem, costumava ouvir suas canções preferidas em alto e bom som. “Menos mal que, na maioria, eram até agradáveis.”

“…Essa operária divina/ Que lá no subúrbio ensina/ As criancinhas a ler…”

Professora, de Benedito Lacerda. Um samba de 1938, gravado por Silvio Caldas” – relembrou. “Meio anacrônico e romântico, mas, ainda assim, tem lá seu charme. E valoriza a profissão, embora de forma um pouco deslocada de propósito” – concluiu.

Entrou nela, então, uma onda de saudosismo. Ligou o computador plugado à televisão e foi buscar uma coletânea de filmes inspiradores sobre docentes. Não assistiu nenhum inteiro, mas navegou por vários deles, um após outro… “Sociedade dos poetas mortos”, com seu apaixonado professor de literatura John Keating, vivido por Robin Williams; “Ao mestre com carinho”, do professor Mark Thackeray, interpretado por Sidney Poitier; “Mentes perigosas” com sua professora de inglês Louanne Johnson, na interpretação de Michelle Pfeiffer; “Clube do imperador”, com Kevin Kline na pele do professor William Hundert; “O milagre de Anne Sullivan”, cuja professora de Hellen Keller é interpretada por Anne Bancroft; “O preço do Desafio”, história do professor de matemática de alunos hispanos nos EEUU, Jaime Escalante, representado por Edward James Olmos; “A língua das mariposas” e a dolorosa experiência de Don Gregorio, o professor republicano nos tempos da ditadura franquista, vivido por Fernando Fernán Gómez… e até um filme com William Shatner (Ele mesmo! O capitão Kirk de Jornada nas Estrelas), “The explosive generation”, sobre o professor Peter Gifford e sua luta para fazer os alunos do segundo grau pensarem por si.

“Como se fez e se fazem filmes sobre professores!… – admirou-se. Sempre o idealismo, o conflito, a oposição, o protagonismo desejado para os alunos… E isso, hoje, pensando bem, em tempos nos quais já se desvaloriza tanto a escola, causa até desconsolo… Para que, né?!? Afinal, tudo do que precisamos está na ponta dos dedos na internet… Que ironia!!!!”

Mas as mensagens e os filmes a puseram num estado de enlevo e esperança lutadora. Ao lado das congratulações mútuas dos familiares, dos colegas de profissão, de alguns ex-alunos, havia postagens de resistência, de defesa da educação. E as notícias tristes e decepcionantes, do sucateamento do ensino no país, da desvalorização da carreira docente (nos baixos salários e nas difíceis condições de atuação), da agressão e ridicularização de professores em certos meios cederam à singeleza da lembrança de uma menininha há muito perdida no passado. A memória recuperava uma afirmação inusitada, tirada do fundo do baú da sua mente:

“Mamãe, a tia não faz feira! Né?!?” (Onde já se viu?!!!)

E riu consigo mesma da ingenuidade da menina que tinha sido. Aquela que amava tanto a professora, a tia, que acreditava que ela não iria à feira, não se dedicaria a uma atividade tão mundana como aquela que, semanalmente, ela própria e sua mãe costumavam realizar.

A garotinha tinha se decidido a seguir a carreira, já aos 7 aninhos. E foi consistente na opção, ainda quando desencorajada, pois, mesmo então, a profissão já começava a cair em descrédito. Não foi necessariamente fácil, nem sempre, gratificante. Definitivamente, não foi romântico! Mas ali estava ela. E, ao olhar para trás, tinha muito a agradecer e com o que se congratular. Afinal, magistério não é sacerdócio de uma “operária divina”… Mas também não quer dizer que “quem sabe faz e quem não sabe, ensina”, frase atribuída a Bernard Shaw, segundo várias referências na internet (cf. http://www.anpad.org.br/admin/pdf/2013_EnANPAD_EPQ177.pdf ).

Com essa imagem em mente, levantou-se. O dia se abria diante de seus olhos. Cair no desânimo ou no saudosismo não era uma opção. Afinal, como dizia Paulo Freire, “ensinar não é transferir conhecimento, mas criar possibilidades…” Vamos a elas!

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