Opinião

Em tempos de coronavírus, um espaço para o melhor e o pior de todos nós. Muitas lições podem nascer daí!

Por: Cristina Vergnano

No dia 21 de fevereiro de 2020, segundo os jornais, chegou ao Brasil, de uma viagem à Itália, um empresário de 61 anos, o primeiro caso confirmado de contaminação pelo novo coronavírus em nosso país. Em São Paulo, logo após o seu retorno, se reuniu com 30 pessoas de sua família, no domingo, dia 23. À noite do mesmo dia, começou a manifestar sintomas da doença. Na segunda-feira, 24, foi ao hospital fazer o teste, por meio do qual conseguiu a confirmação da infecção pelo vírus. A contraprova foi realizada em 25 de fevereiro e não deixou dúvidas sobre a doença contraída pelo viajante.

Toda a situação que nós, brasileiros, estávamos até então acompanhando a distância, pela televisão, internet e jornais, bate finalmente à nossa porta. Entra sem cerimônia e coloca em xeque nosso sistema de saúde, nossas instituições, nossos governantes e representantes e, claro, nós mesmos.

Embora a reação até tenha vindo logo sob a forma de anúncios, notícias nos jornais, orientações higiênicas para conter a epidemia e entrevistas com especialistas, só na segunda-feira, 16 de março, as escolas no Rio de Janeiro são fechadas. Em são Paulo, a medida começará a ser implementada somente a partir de 23 de março, mesmo havendo mais casos nesse estado. Além de escolas, públicas e privadas, eventos foram cancelados e, mais recentemente, shoppings, teatros, cinemas, clubes e entidades culturais entraram na lista de fechamento, tudo para evitar aglomerações e cortar a expansão do contágio. No Rio de Janeiro, o governador proibiu a entrada de ônibus vindos de regiões infectadas. Neste 19 de março, no Paraná, o governador emite um decreto bloqueando qualquer tráfego de ônibus de fora do estado. As opções de homeoffice, cursos a distância, vídeo conferências pela web passam a ser adotadas tanto pelo meio empresarial quanto educacional. As quarentenas (voluntárias ou não) se propagam.

Com o impacto trágico da Covid-19 (nome dado à doença provocada pelo novo coronavírus) em países como a Itália, a preocupação das nossas autoridades e dos especialistas em saúde e epidemiologia se volta para alguns pontos críticos. Preocupam, então, em termos humanos e de saúde, a maior fragilidade de idosos e pessoas com doenças preexistentes (ou seja, a comorbidade) e a insuficiência do sistema brasileiro de saúde, já comprometido com muitos problemas, para lidar com uma explosão de casos graves. Igualmente, não sabemos muito bem como esse novo vírus pode comportar-se por aqui. Tampouco teríamos condições de controle ideais em locais e com pessoas cuja situação social envolve precariedade higiênica (moradores de rua, por exemplo), reduzidos espaços físicos compartilhados por muitos, sem chance de isolamento eficaz, alimentação e atendimento regular a doenças prévias inadequados. Por outro lado, em termos econômicos, a situação abre discussões sobre a sustentabilidade da economia em tempos de uma crise que obriga ao recolhimento e à suspensão das atividades rotineiras. O que fazer? Cortar salários? Dar férias coletivas? Aplicar o homeoffice e demais iniciativas a distância? Baixar juros? E quanto àqueles trabalhos que não podem deixar de ser realizados? E sobre outros que deverão, necessariamente, manter-se fechados e não têm como aplicar versões virtuais?

São, sem dúvida, muitas questões motivadas por um organismo microscópico que está girando o mundo, deixando as pessoas em pânico e suscitando novas formas de ver nossas práticas cotidianas. E esta nem deve ser a epidemia mais mortal que já tivemos ou poderemos ter. Imaginem se fosse uma pandemia de varíola, ou de outro vírus ou bactéria resistentes com vetor de propagação aéreo!!!

Tenho observado vários fatos (curiosos?!?) que mostram o melhor de nós, e o pior também. Por exemplo, não resta dúvidas que o Brasil não está preparado para lidar com esse tipo de evento. Entre outras questões, está o fato de que, mesmo sabendo da existência dos idosos, que anualmente se recadastram nas provas de vida do INSS, não tem condições estruturais de dar-lhes suporte. O que dizer de um idoso que mora sozinho, não tem família ou esta está longe ou incapacitada para lhe prestar auxílio? Ele não deveria sair durante esta epidemia, para evitar seu contágio, até porque faz parte do grupo de risco… Mas, se não sai, morrerá de fome, pois, quem lhe levará alimento e remédios? Quem fará o serviço pesado que este já não aguenta realizar?

Afortunadamente, há pessoas e grupos que se dispõem a ajudar, a dar suporte, de um jeito ou de outro, a pessoas em situação de fragilidade. Nem que seja com um telefonema, uma mensagem virtual amiga, uma passada rápida pela casa dessa gente, levando-lhe um pouco do que precisa. Este é um ponto positivo para nós!

E sobre o mundo do trabalho?!? Ganância e falta de respeito pelo outro (e, porque não dizer?, falta de noção para consigo mesmo, pois o vírus não escolhe suas vítimas) obrigam certas pessoas a manter-se trabalhando e arriscando-se. Correu pela internet um texto criticando um casal bem posicionado socialmente que manteve seus empregados no serviço, por exemplo. Mas muitos entendem que é melhor dispensar, total ou parcialmente, empregados, sem demiti-los, claro (o que causaria um caos social e econômico) sempre que seu serviço não seja imprescindível. Ao lado disso, precisamos elogiar todos os profissionais de saúde e os prestadores de serviço das áreas de cuidado ao idoso e enfermos, alimentação e bens de higiene e limpeza que continuam ali, firmes e fortes, garantindo a sobrevivência e o bem-estar dos que estão em quarentena. Mesmo muito atarefados, tenho visto vários desses trabalhadores sorrindo, atenciosos, com palavras amáveis. São os heróis anônimos do momento.

O confinamento parece estar gerando, igualmente, efeitos a serem observados e sobre os quais precisamos refletir. Ouvi uma caixa de farmácia dizendo que ela estava se cuidando porque “Deus a livre de ficar de quarentena”! Ela não estava preocupada por ficar doente de fato, nem por contaminar outros, mas com a impossibilidade de sair de casa.

Curioso… também vi uma angústia semelhante por parte de alguns pais: como lidar com os filhos sem aulas, em casa o tempo todo? Aí, uma conhecida, começou a postar e compartilhar links para diversas opções culturais de lazer e ocupação: visitas virtuais a museus, apresentações musicais e teatrais na web, cursos on-line gratuitos. Beleza!!! Boa iniciativa. É legal as pessoas aprenderem a ocupar-se sem precisar ir para a rua, sem precisar estar vagando por aí em meio à multidão.

Creio, no entanto, que este é o momento de reavaliarmos nossa mecânica de relacionamento e nossa capacidade de ocupar o tempo produtiva e agradavelmente. Por que vemos tantos meio-desesperados por terem que ficar em casa, angustiados de tédio, sufocados pelo silêncio e solidão? Será que, de fato, já não conseguimos mais lidar conosco? Somos incapazes de estar em família de forma interativa e prazerosa? Temos que ter a cabeça, ou ouvidos e os corpos saturados para não precisarmos pensar e, assim, sentirmo-nos tranquilos e satisfeitos? Será tão aterrador gastar um tempo entre pais e filhos? Entre irmãos? Redescobrir a capacidade de inventar brincadeiras? Apreciar a quietude? Ler um bom livro? Ouvir sossegadamente umas músicas? Gastar muitos momentos falando com alguém que está sozinho também pelo telefone, apenas para fazer companhia?

Uma pandemia como esta assusta! Em parte, porque nos confronta com nossa mortalidade. Mas, igualmente, porque nos mostra como perdemos parte de nossa humanidade. Como desaprendemos várias relações sociais e, principalmente, as relações com cada um de nós mesmos.

Espero, do fundo do meu ser, que reencontremos o caminho perdido. Que descubramos o que colocamos, sem o perceber, oculto. Que desenvolvamos, novamente, o senso de pertencer a um todo, a responsabilidade por cada membro dessa coletividade. Enfim, que reconstruamos a capacidade de amar no sentido mais pleno do termo.

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