Opinião

O mais importante

Por: Cristina Vergnano

No momento em que escrevo este artigo, menos de duas horas nos separam de um novo ano. Ao longo do dia, o ruído de fogos e as mensagens digitais de texto e imagens encheram ouvidos e olhos, antecipando os festejos e distribuindo votos de felicidade. A rua, contudo, esteve relativamente silenciosa, quase deserta, com exceção de alguma música à distância, vozes esparsas, ou um passante ocasional. Já noite, a quietude é ainda maior.

Por experiência, sei que muitos daqui viajaram. Outros tantos estarão em Copacabana, participando dos shows e aguardando os fogos de artifício. Ano Novo nunca se caracterizou, em minha vivência, como uma festa de família, ao contrário do Natal. Mesmo passando-o em meio a parentes, sempre ficava essa sensação de que se trata de um evento pouco intimista, externo, de agito.

Neste ano, além de cuidar de coisas da casa, telefonar para uma tia idosa, ler um capítulo de um livro e escrever para postar no blog, regozijo-me com a tranquilidade do meu apartamento, num bairro da zona norte do Rio de Janeiro: uma ocasião de sossego, descanso e paz. Em tais circunstâncias, é impossível deixar de pensar que esta comemoração traz, em si, dois movimentos: um de celebração e outro de reflexão. O primeiro parece óbvio, com suas ceias, brindes, roupas novas, música, foguetório, show de luzes, reunião de pessoas, grandes aglomerações, oferendas na praia. O segundo vem na trilha das retrospectivas e balanços sobre o que passou, aliado aos projetos para o futuro.

Quando um ano termina e outro está prestes a começar, sempre proliferam desejos de prosperidade e diferentes sentimentos positivos. Hoje, não seria diferente. No entanto, acho que, após o triênio tenso da Covid-19, todos e todas esperamos, com especial força, uma renovação para 2024. Algo que seja fresco, feliz, com sabor de vida nova. No entanto, ao observarmos o desenrolar de crises, a intensificação de cataclismos ambientais, as guerras, o aumento da miséria acompanhado do enriquecimento dos já muito ricos, resta-nos um traço de insegurança latente querendo azedar a festa.

Durante o ano de 2023, tanto em meu próprio cotidiano quanto pelo depoimento de vários conhecidos, percebi um transbordamento. Era como se tivéssemos enchido cada milímetro cúbico de nossa existência durante os anos de reclusão e distanciamento, a fim de não sentirmos o vazio e a solidão, e, agora, nos faltasse tempo. Tempo para acomodar o de antes (retornando às nossas vidas), com as atividades pandêmicas assumidas entre 2020 e 2023, acrescidas de todas as demandas inéditas. Mal sobra espaço para descanso, um ócio criativo e benfazejo, que nos recomponha as energias.

Sob essa tensão, venho despertando uma consciência de que, talvez, estejamos perdendo de vista o essencial. Pequenas coisas, detalhes e, especialmente, pessoas. Festejar é legal, assim como as comidas, as roupas, os shows, a descontração. Mas tudo isso pressupõe muito ruído e afazeres, os quais nos têm a tal ponto atarefados, que nem sentimos o passar das horas. E as comemorações são tão fugazes! No final, conseguimos conversar, ouvir o outro, compartilhar um sorriso, dar aquele abraço gostoso, vivenciar o “feliz ano novo” para além de o dizer simplesmente, sentir o momento de forma plena? Tenho minhas dúvidas…

Um dia possui apenas vinte e quatro horas. Nossa capacidade de ação é limitada a esse lapso e às condições físicas e psicológicas de cada um. Não conseguimos ser onipresentes, nem onipotentes. Algo sempre ficará de fora. Para mim, parece que o segredo da felicidade está em saber escolher e ficar sempre com o mais importante, aquilo capaz de durar e transformar.

Um 2024 essencial para todas e todos vocês!

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2 thoughts on “O mais importante

  • Giselle Bondim

    Isso, Cris, Costumo me perguntar para onde foi aquele tempo que sobrava na minha vida? As tardes sonolentas no sofá da sala, em que, adolescente, me inquietava por não ter o que fazer; as longas noites em que, universitária, passava pendurada no telefone falando tontices com as amigas ou abrindo livros após livros à cata do entendimento; os domingos em que nada acontecia e me sentava no chão para montar quebra-cabeças com o meu pequeno. Cadê o que tempo que me sobrava? Linda reflexão para o início do ano! Felizes momentos vazios!

    • Não é, menina?! Fora o ciclo regular de nasceres e pores de sol, a percepção do tempo e de sua passagem é totalmente subjetiva. Talvez por isso, em cada faixa etária, a gente se sinta de uma forma diferente com relação às horas livres. Ainda assim, creio que estamos exagerando na mão. Numa sociedade que persegue a produtividade e eficiência de máquinas, fica difícil conquistar esse ócio criativo.
      Obrigada por sua avaliação e comentário. Que possamos gozar, em 2024, um pouco desses momentos vazios! Bjs. 😉

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