Tempo ao tempo
Por: Cristina Vergnano
Tempo é um conceito curioso. Pode ser cíclico, recomeçando a cada período determinado com apenas sutis variações. Pode ser quântico, global, concomitante, tocando-se infinitamente. Mas, em geral, o percebemos e vivemos de forma linear: uma hora após a outra, um dia seguindo ao anterior, um ano ou década depois dos precedentes. E estamos obcecados por marcá-lo, medi-lo, controlá-lo (sem muito sucesso, por sinal).
A configuração quântica me parece quase uma abstração, dado o nosso caráter finito e a impossibilidade de ocuparmos espaços e lapsos temporais distintos simultaneamente. Já a cíclica, para bom observador, é bem concreta, pois está na natureza, nas atividades sociais, no cotidiano. Ela é tanto consoladora, devido à segurança que oferece pela garantia de renovação, quanto entediante, por sua estrutura rotineira e repetitiva.
A linearidade, por sua vez, nos define nas fases da vida: nascemos, crescemos e estamos certos de nossa morte, embora não saibamos quando ocorrerá. Perseguimos, dessa maneira, o desejo de conservar intactos a juventude e os bons momentos vividos, como, também, o sonho de construir projetos que nos coloquem eternizados na história. Daí os filhos, os discípulos, os livros, as obras de artes plásticas, as músicas, as atuações públicas etc.
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No contexto de tensão entre o linear e o circular, insiro os festejos de Ano Novo. Como nos empenhamos em comemorar a passagem do ano velho para o que se inicia! Quantas promessas de mudança, quantos planos para o futuro! A simples transição de uma fração de milésimo de nanossegundo do dia 31 de dezembro para o 1 de janeiro se reveste de uma simbologia quase mágica, poderosa, capaz de apagar incertezas, falhas, fracassos, tristezas, trazendo expectativas de algo inovador e positivo. Acho que deve mesmo ser desse modo. Afinal, crer na transformação, apostar no belo e no benéfico, ter esperança, enfim, nos coloca num caminho rumo à felicidade, minimiza o temor da morte e do sofrimento, nos inspira à solidariedade.
O tempo continuará impassível à nossa existência humana e limitada. O que se repete e renova, continuará a fazê-lo. O que coexiste, para além de nossa compreensão, se manterá assim. Enquanto isso, transcendendo nossa linearidade, vamos construindo e estando no mundo. Que o seja, de preferência, numa direção mais igualitária, respeitosa, de paz e amor.
Como ser pertencente à espécie linear e cíclica, aspirando um dia tocar a quântica continuidade, me somo a vocês, desejando-lhes e às suas famílias um 2023 aberto às múltiplas possibilidades, lindo, virgem, pronto para ser modelado no amor. Feliz ciclo novo!