Digicrônicas

(Des)assistente virtual

Por: Cristina Vergnano

Perdoem-me a recorrência, ainda assim, preciso insistir num tema abordado em alguns de meus textos anteriores. Tentarei, porém, fazê-lo com outra roupagem e foco.

Como ouvimos à exaustão, vivemos imersas e imersos na era digital. Costumamos nos vangloriar dos avanços alcançados pela humanidade, de como tudo é mais fácil, rápido e com acesso à quantidade de informações variadas com o simples toque de um dedo. Quando penso a respeito, acho até engraçado, para quem nasceu um pouco depois da metade do século XX no Brasil, ver o espanto da garotada ante uma existência não digitalizada. “Como era possível viver sem computador, sem celular?” Pois bem: era! Afinal, estamos aqui de prova, certo? Mas, como tudo nessa vida, também no concernente à tecnologia, há pontos positivos e negativos, os já batidos dois lados de qualquer moeda.

Disse antes por aqui (e, se não falei, fica como dito, pois é sempre pensado) que gosto de artefatos tecnológicos e os consumo bastante. Quando eu era criança, tais avanços não passavam de cenário de ficção científica (que eu amava!). Naquele então, videochamadas, pagamentos ou transferências bancárias por meio virtual, acesso a informações em computadores de mão (sim, porque os celulares de hoje são quase isso) eram todo um sonho. E este se realizou! Contudo, não sem pesadelos correspondentes.

Gostar de algo não significa eximir-se da avaliação crítica sobre o objeto de nossa apreciação. Volta e meia, me pego discutindo sobre algum aspecto controverso desse nosso maravilhoso mundo novo. Nunca neguei os avanços e suas contribuições. Reconheço, por exemplo, o valor que os computadores e a internet tiveram durante a pandemia de covid-19, unindo virtualmente famílias e amigos quando a proximidade física era inviável, ou possibilitando que estudo e trabalho funcionassem, embora com limitações. Entretanto, hoje, quero comentar um desses episódios que provocam reflexão, se estivermos dispostos a tal.

Um dos problemas da virtualidade, para mim, é a profusão de inovadores formatos de golpe. Precisamos estar em guarda, pois a mais inocente abordagem pode nos colocar em situação de vítimas. Eu, por meu lado, chego a ser paranoica. Quando recebo e-mails, SMS e ligações com ofertas, descarto de imediato ou, se creio haver a mínima chance de serem verdadeiras, recorro à (presumida) fonte para confirmação. E, claro, nunca clico em nada! Todavia, as investidas são tantas, que suponho ser impossível escapar delas para sempre.

Quero enfocar, desta vez, não um e-mail recebido do Relacionamento Digital de uma prestadora de serviços, mas o que ocorreu quando tentei comprovar sua veracidade. Minha primeira atitude foi entrar em meu ambiente pessoal no site da empresa. Fiz o login com identidade de usuário e senha e revirei os vários espaços da página atrás do presente citado na mensagem, supostamente, concedido aos clientes. Nada! Para mim, a tentativa de fraude estava caracterizada. Contudo pensei ser, talvez, um benefício para determinada categoria de contrato e, portanto, não estaria exposto de forma generalizada no site. A saída, desse modo, era contatar a prestadora por meio do atendimento ao cliente. A opção mais rápida pareceu-me o chat, por isso acessei-o em seguida. Foi o início de uma surreal maratona.

O recurso de comunicação tratava-se de um “assistente virtual”, um robô, programado com um elenco de perguntas e respostas correspondentes. Imagino haver especialistas na empresa encarregados de levantar os problemas mais comuns, transformá-los em questionamentos e possíveis soluções a serem inseridos na memória da máquina. No entanto, a linguagem humana é complexa e possui diferentes caminhos para expressar coisas semelhantes. Sendo assim, é muito comum colocarmos a questão de um modo divergente da programação, gerando uma resposta insatisfatória, em geral, do tipo “solicitação não entendida” (ou algo parecido).

Outro aspecto é que há categorias de solicitações. Primeiro escolhemos uma delas e, depois, as sub opções cabíveis, para, então, formular a pergunta. O pior é que nem sempre encontramos o tópico adequado ou conseguimos saber qual a caixinha onde devemos inserir nosso problema. Em que teriam pensado os programadores? Saberiam que essa coisa aconteceria algum dia? Teriam previsto uma saída?

Tentativas seguidas de inserção de opções e comunicação sem sucesso irritam bastante. Elas nos fazem perder tempo precioso, deixam um gosto acre na boca, sabor de desagrado e frustração. É tão ruim quanto aquela gravação com números intermináveis para isto ou aquilo (no final da lista, a gente, inclusive, já esqueceu o que era cada possibilidade de escolha). Enfim, o que deveria ser um adianto, algo moderno para poupar muitos minutos e nos dar a resposta mais precisa, se torna via crucis. Há duas opções possíveis: render-se ao sistema e desistir, ou gritar por socorro a uma pessoa.

A segunda convinha mais: o primitivo, simples e corriqueiro contato com um atendente humano. Alguém que, esperamos, pense fora da caixa e consiga ir além da programação (desculpem, do treinamento profissional recebido).

Na ocasião, fui seca e objetiva com o robozinho (ele que me perdoe). Na caixa de diálogo do chat, após nova resposta negativa da máquina, escrevi: “Atendimento humano”. Só isso! Sim, porque o programa tinha me pedido para ser direta, explicando o que queria com poucas palavras. E o que mais desejava, naquele momento, era interagir com uma pessoa, cuja capacidade de refletir e trocar ideias comigo possibilitasse uma solução para o meu medo de estar sendo vítima potencial de um golpe. Até porque, “golpes” não fazem parte da lista de assuntos da prestadora do serviço, embora seja fato bastante frequente.

Uma moça (chamemo-la de J. para preservar sua identidade) me atendeu após alguns minutos, pois eu era a segunda na fila de espera. Expus a situação: tinha recebido um e-mail da sua companhia, informando que eu havia sido presenteada com um acesso grátis a certo serviço por doze meses. Estranhei, até porque nada aparecia no site e havia um link para clicar na tal mensagem (todos sabemos o quão arriscado isso é hoje em dia). Resumindo, queria saber se era verdade.

A resposta veio quase imediatamente: “Sim, a notícia procede”.

Mais tranquila, expliquei o motivo da minha apreensão e perguntei se não havia um caminho mais seguro para obter o tal bônus. Ou seja, sem precisar acessar o link (eu, ainda meio desconfiada). Silêncio… Esperei uns segundos e teclei: “J, você continua aí?” Um pouco depois ela confirmou que sim; estava buscando a informação. Daí, me passou o endereço da outra prestadora parceira e confirmou que bastava acessar sua página e incluir o código recebido. Agradeci, desejei-lhe bom trabalho e ela me avisou que haveria uma pesquisa de satisfação, após mandar no chat uma carinha simpática em resposta ao meu agradecimento.

Nem sempre obtemos a resolução do problema, seja com máquinas ou gente do outro lado da linha (ou da tela). Há ocasiões em que chegamos a duvidar de estarmos lidando com um interlocutor de carne e osso, tamanha a limitação e os “padrões quase robóticos” em suas respostas. Eu dei sorte dessa vez!

Chamem-me de antiquada, o fato é que considero fazer muito bem à nossa percepção de seres humanos o poder tratar com um igual. Tudo bem, há coisas tão imediatistas e objetivas que podem bem ser respondidas por um robô. Para todos os outros casos, contudo, estes funcionam como (des)assistentes virtuais. O que precisamos, de fato, é uma boa mente com neurônios reais, falha e imperfeita, porém, empática, servindo de interlocutor ou interlocutora.

Os robôs me desculpem, em especial aqueles que começam a ganhar inteligência própria. Mas, por enquanto, em minha opinião, eles não são capazes de suprir essa lacuna, além de contribuírem para deixar muita gente na fila do auxílio desemprego. Num futuro, quando se tornarem seres, poderemos voltar a conversar. Então, os problemas serão, provavelmente, de natureza diversa. Isso, no entanto, é matéria para outra crônica.

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